34

E Vai lá! E Vai lá, João! A matrafona, que dava dois do pobre João, não parava de o incitar, às tantas começou a dar-lhe cotoveladas, enquanto bufava, Anda lá, homem, vai lá, porra! E o João que não se mexia, escondendo o sapato por baixo da cadeira, talvez envergonhado da camisa coçada, ou apenas tentando escutar a sua cabeça, perceber o plano traçado, mas ela, a gorda, novamente, Mas que merda! Mas 'tás a dormir?! Vai lá! As senhas iam sendo rasgadas, os besouros apitavam incessantemente, uns iam, outros vinham, uma sala cheia, mas João, por causa daquele problema, tinha vez em fila própria, inveja de alguns sentados ao lado. O João não sabe explicar, tem o ciclo feito e nada mais, como é que ele pode explicar a alguém que é miserável a sua condição humana, que só a morte lhe limparia a face? Não pode, nem a sua cabeça chegaria ao texto, nem a boca acertaria nas vogais tónicas. Não quer ser cobarde, mas às vezes, escondido, deixa que o menino que foi, pequeno traquinas a jogar à bola, lhe venha chorar no peito. Mas ali não pode, ali tem de ser homem, baixar a cabeça, para não carregar a pena dos outros, e pedir a esmola que o Estado lhe diz que tem direito. Estás surdo, homem?! Vai lá!! Ele não lhe responde, sente o buraco na sola, o frio que lhe chega ao único pé. Queres que eu lá vá? João? Se ao menos morresse depressa.